Conheça o trabalho dos consultores legislativos, que ganham altos salários e atuam nos bastidores para apoiar parlamentares nas atividades do Congresso
Deputados federais enfrentam eleições duras. A ideia de que as eleições são “coronelistas” não encontra respaldo nos dados dos estudiosos – ou seja, a competição política não diminui, mesmo se um candidato, por conseguir recursos para aquelas cidades, tiver o apoio dos prefeitos de uma certa região. Segundo o cientista político Fernando Limongi, da Universidade de São Paulo (USP), nas eleições de 2002 apenas três parlamentares receberam mais de 40% de seus votos em redutos eleitorais.
Por isso, para ter mais chances de vencer, o deputado precisa se diferenciar dos seus rivais. Tem de propor algo que dê repercussão na mídia, que o ajude a se tornar representante de outros grupos sociais além daqueles que sempre votam nele, com adesivo no carro e tudo. Pode propor um projeto que tenha chances razoáveis de ser aprovado durante o mandato de quatro anos ou de pelo menos tornar certo assunto parte da agenda pública. É preciso ter uma ideia ousada. O deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG), por exemplo, quis estender o direito de representação parlamentar para os índios, com a proposta de emenda constitucional 320/2013.
Do ponto de vista do direito das minorias, a iniciativa é brilhante. Os índios têm direito ao voto como qualquer cidadão brasileiro, mas estão espalhados pelo território do país. Somam pouco menos de 0,5% da população, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com cerca de 817 mil pessoas. Vale lembrar que quase metade dos indígenas vive em cidades. O sistema eleitoral brasileiro, proporcional de lista aberta, torna cada estado um distrito eleitoral (ou seja, um deputado paulista só pode ser votado em São Paulo e assim por diante).
Se uma tribo está espalhada por vários estados – ou mesmo por municípios distantes no mesmo estado –, eleger um deputado índio torna-se bem difícil. E aí a representação dos índios no parlamento passa a depender da boa vontade de deputados mais preocupados com outras causas ou da má vontade de deputados parodiados pelo grupo “Porta dos Fundos”.
Ao ter uma ideia como essa, os deputados podem ligar o computador no gabinete e mandar uma mensagem para a consultoria legislativa da Câmara dos Deputados. Os consultores são responsáveis por quatro tipos de trabalhos: escrever discursos, elaborar pareceres (contrários, favoráveis ou sem posição) para os deputados que relatam projetos, elaborar projetos de lei e outros tipos de propostas legislativas e realizar estudos sobre assuntos de interesse dos parlamentares. Não trabalham nos gabinetes, mas sim em uma área separada. São contratados por concurso, realizado mais ou menos a cada dez anos, e não estão subordinados a nenhum deputado específico.
A mensagem do deputado pode conter apenas o início de uma ideia, como “gostaria que índios tivessem representantes específicos no parlamento”. O diretor da consultoria legislativa delega o trabalho para uma das 21 áreas temáticas. Um consultor é designado para tornar a ideia do deputado um projeto concreto – no exemplo, seria uma proposta de emenda constitucional (PEC).
Quem são os consultores?
Trabalham hoje na Câmara dos Deputados 157 consultores legislativos e, no Senado, 184. Há mais consultores por senador (2,27) do que por deputado (0,30). “O Legislativo federal no Brasil optou por um tipo de assessoramento que é singular no mundo. É centralizado e apartidário. Isso é diferente do que ocorre nos Estados Unidos e em muitos países da Europa. Nesses países, a opção foi pelo assessoramento partidário”, afirma Ricardo Rodrigues, consultor legislativo da Câmara dos Deputados. Nos Estados Unidos, o assessoramento técnico especializado é realizado no âmbito das comissões temáticas por consultores contratados pela presidência de cada comissão, com base em afinidade partidária e ideológica. A exceção, nos Estados Unidos, fica por conta do Congressional Research Service (CRS), cujo trabalho é realizado por pesquisadores de forma apartidária. Entretanto, o CRS faz apenas pesquisa e não participa do processo legislativo como acontece com as consultorias da Câmara e do Senado no Brasil. Na Europa, o assessoramento legislativo é realizado por pessoal contratado diretamente pelos partidos políticos.
Dentre os consultores da Câmara, 74 tinham mestrado ou doutorado, segundo os dados da própria consultoria enviados em janeiro. O motivo para essa alta qualificação é fácil de explicar: o salário inicial de um consultor é de R$ 25.105, de acordo com um edital para selecionar consultores, publicado em 28 de janeiro de 2014 (quase os R$ 28 mil do teto constitucional, o salário máximo de um servidor público).
O cotidiano dos consultores legislativos não é a rotina enfadonha associada a muitos empregos em Brasília. Além de auxiliar a elaboração de projetos de lei, uma parte importantíssima do trabalho da consultoria é fornecer pareceres. A consultoria legislativa serve para melhorar a qualidade da informação disponível para os parlamentares sobre assuntos específicos. “Quando um senador é relator de uma medida provisória, o trabalho da consultoria é muito intenso”, afirma Rafael Silveira e Silva, consultor legislativo do Senado. “Algumas MPs são extremamente complexas e exigem consultores especializados no assunto. Também somos convidados pelos senadores para, com eles, participar de reuniões nos ministérios e sempre assessoramos o relator na redação do parecer”, explica Silva.
O relator pode, é claro, ignorar todas as sugestões da consultoria legislativa. Mas é pouco provável que ele faça isso. Afinal, o consultor especializado saberá mais sobre os efeitos possíveis daquela política pública do que o próprio parlamentar.
O deputado ou senador pode pedir um parecer favorável ou contrário a um determinado projeto, mas pode também deixar a critério do consultor legislativo designado para formular a primeira proposta de parecer. “Na maioria das vezes, o pedido de parecer vem sem orientação”, diz Ricardo Martins, consultor legislativo da Câmara dos Deputados. “É um indicativo de que o parlamentar confia na consultoria, pois quer primeiro ouvir nossa posição para depois formar sua própria ideia”, conta Martins.
Segundo ele, na área de Educação, Cultura e Esporte, os pareceres tomam 75% do tempo dos consultores. “Além disso, ajudamos os deputados a fazerem projetos de lei e os assessoramos nas comissões permanentes. São reuniões semanais ordinárias e reuniões especiais. Quanto mais complexa é a pauta de assuntos, mais temos que estar à disposição para esclarecer dúvidas de conteúdo ou técnica legislativa”, afirma o consultor.
Crítica da qualidade técnica da assessoria dos gabinetes, a cientista política Graziella Testa, que já trabalhou na Câmara dos Deputados e hoje faz doutorado na USP, diz que “os consultores legislativos acabam se tornando ‘assessores de plenário’, pois tiram dúvidas pontuais que a maioria dos assessores de gabinete não consegue”.
Isso não causa tanto ciúme na Câmara quanto no Senado. “Os consultores legislativos da Câmara dos Deputados têm muito mais proximidade com os parlamentares”, afirma um consultor legislativo do Senado, que prefere não ser identificado. “O senador tem um caráter imperial. A cultura organizacional é outra. Os assessores dos gabinetes evitam que os senadores tenham contato próximo com os consultores”, conta.
A relação próxima pode ser evidenciada pela quantidade de trabalhos pedidos à consultoria da Câmara dos Deputados. Entre 2011 e 2013, os deputados do Partido Verde (PV) pediram cada um, em média, 127 trabalhos à consultoria, contra 69 do PMDB, 68 do PT e 62 do PSDB.
Se os assessores de gabinete fazem um trabalho legítimo de natureza política, e até eleitoral, os consultores legislativos, necessariamente concursados, ajudam os representantes a expressar suas preferências políticas de maneira, digamos, constitucional e tecnicamente correta. São duas faces complementares de um lado oculto, discreto, de Brasília.