A tragédia grega atualizada na voz e no corpo de uma mulher negra traz para o público a oportunidade de reler o mito e repensar práticas patriarcais e racistas

Protagonizada por Márcia Limma, a peça Medeia Negra, listada como um dos espetáculos nacionais mais importantes de 2018 pela revista Bravo, será transmitida pelo projeto Enxurrada Casa Preta III, no Youtube do casarão, no dia 10 de abril, às 20h. O solo que recria a tragédia grega para os contornos reais da voz, do corpo e do pensamento de uma mulher negra, expõe opressões sofridas por essas mulheres em diferentes lugares de fala e tempos históricos.

Através da interculturalidade e referências afro-diaspóricas dos itãs e arquétipos dos orixás, Márcia Limma, que também assina a dramaturgia, re-visita e desconstrói a antiga versão da mitologia, do tragediógrafo Eurípides, para convocar as mulheres à retomada do poder. A obra, dirigida por Tânia Farias, é parte da pesquisa que a atriz desenvolveu com mulheres encarceradas, no Mestrado em Artes Cênicas na UFBA.

Em encontros realizados no Conjunto Penal Feminino de Salvador, a atriz teve contato com mulheres encarceradas e aprofundou a compreensão do arquétipo de Medeia. As visitas contribuíram para que o discurso presente na obra refletisse a condição de mulheres que romperam com diferentes níveis de prisões políticas, históricas e sociais.

Foto: Divulgação

“As experiências que vivi com elas estão em uma carta com nossas sensações e desejos. Elas escreveram cartas para Medeia e eu respondi a elas em uma carta que, para mim, é a síntese do nosso laço, da nossa irmandade, das nossas confissões” trouxe Márcia Limma.

Por meio da ancestralidade e da evocação dos cânticos negros de libertação, em toda a apresentação o espectador se depara com diferentes Medeias em uma viajem até a Medeia Negra, que transborda e traz à tona os encarceramentos emocionais vividos durante a formação da personalidade e da psique desse feminino.

O público também é convidado a se posicionar diante das provocações da personagem e tem a oportunidade de refletir sobre o seu lugar no processo de desconstrução de mitos e práticas patriarcais e racistas, diante dessa nova leitura.

“Medeia representa as mães ancestrais que expressam a morte como transformação e reconstrução e não como o fim da vida. A descolonização do pensamento patriarcal  é o instrumento utilizado para questionarmos o condicionamento social que marginaliza, julga e condena corpos considerados inadequados,estrangeiros, estranhos”  acrescenta Márcia Limma.

O Enxurrada da Casa Preta III é contemplado pelo Prêmio Anselmo Serrat de Linguagens Artísticas, da Fundação Gregório de Mattos, Prefeitura Municipal de Salvador, por meio da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, com recursos oriundo da Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo, Governo Federal.