Gosto de escrever após profundos e inquietantes momentos de reflexão. Nem sempre consigo transmitir o que desejo, mas tento… Dificilmente saio “ileso” das minhas andanças pela vida, principalmente, em meu trabalho, pois, como sou educador, psicólogo e sociólogo, demasiadamente humano portanto, sou atravessado pelo que faço, leio, escuto e discuto… Pois bem, aqui estou, mais uma vez, no exercício da escrita. Esse fazer me é sempre libertador, pois tenho que traduzir em palavras os meus pensamentos que as ultrapassam. Também é por mim sabido que não tenho a real dimensão dos efeitos de minha escrita, pois a cada um cabe a interpretação do que se lê, que é sempre perpassada pela dimensão subjetiva que nos torna únicos em nossa relação com o mundo e as pessoas.
Afirma-se que vivemos atualmente “tempos de crise”. Esse é um significante muito usado no cenário atual. A crise, para além da discussão acerca de seus efeitos objetivos, tem sido utilizada como justificativa para qualquer dificuldade contemporânea ou pra falta de verba e investimento em várias instituições. No passado, não tão remoto, vários problemas enfrentávamos, mas tínhamos a esperança de que poderíamos modificar a realidade que nos interpelava. Entretanto, quando Lula chegou ao poder, achávamos que seria capaz de nos salvar das nossas históricas mazelas. Era ele a personificação do redentor, literalmente o salvador da pátria.
Ele foi, tal como o bode expiatório, colocado no lugar da redenção e, bem sabemos, este é um lugar muito perigoso, pois nos desresponsabilizamos da parte que nos cabe e da estrutura que nos submete a todos. Hoje, muitos sonham em tirar Dilma para que a paz do Éden renasça no país fundado na corrupção, violência e desigualdade. E por falar na suposta “fundação do país”, cabe recordar que estas terras já eram utilizadas por populações que não tinham essa relação de posse com a natureza, visto que se percebiam como elementos integrantes do que hoje chamamos ecossistema.
Ao se discutir sobre nosso cotidiano mal-estar, cabe também nos interpelarmos, via questionamento freudiano, sobre qual parte nos cabe neste “latifúndio”. Qual terra não queremos ver dividida? Como falar em mudança sem falar nas perversas estruturas e nos alienados sujeitos? Muitos passarão a vida sem se dar conta das estruturas perversas que delimitam nossas vidas, favorecendo poucos e eliminando muitos do acesso à riqueza socialmente construída. Ainda são muitos que acreditam que em terras “brasilis” o sol nasceu para todos e basta se esforçar para que consigamos um lugar ao sol.
Confesso que sou um sujeito crente em muitos sentidos. Entretanto, a realidade da vida e da história vai nos tornando descrentes em relação a algumas possibilidades de mudanças. Contudo, sou também capaz de reconhecer o quanto mudamos e avançamos quando comparo o tempo presente a outros períodos. Para ter esperança, é preciso olhar o passado descortinando-o pouco a pouco. Para ter “os pés no chão”, também, pois é a partir das raízes se pode antever os frutos e voar…
Por vezes, tenho uma desesperança profunda nas mudanças sociais, pois percebo em vários âmbitos que a desigualdade, intolerância e injustiça insistem em permanecer. Apesar disso, continuo lutando por dias melhores, pois sei que muitos têm esse anseio e no cotidiano travam suas batalhas em busca de um mundo menos desigual. Apesar disso, bem sabemos, pelo andar da carruagem, que muitos são os que passarão a vida sem saber que são escravos. Porém, seguimos marchando libertando os escravos, nos libertando e tentando fazer com que muitos percebam sua condição.