Creio que vocês já sabem o quanto gosto de aprofundar os sentidos etimológicos das palavras. Sendo também atravessado pela psicanálise em minha prática profissional, presto muita atenção aos significantes e seus sentidos – sempre abertos – que nos possibilitam “escorregar” neles, via associações livres, indo além do estabelecido, nos (in)definindo sempre. Nesse movimento de construção, uma das primeiras coisas que fiz, ao escrever este texto, foi nomeá-lo. Para minha grata surpresa, descobri hoje que, de acordo com o dicionário virtual Michaelis, um dos sentidos para atentado é de ser um adjetivo advindo do verbo atentar e que significa prestar atenção, atento. Feito com tento. Discreto. Prudente. O segundo significado seria ofensa à lei ou à moral. Ação criminosa. Desobediência a preceito cominatório que o juiz estabelece. Arrojo, temeridade. Demônio, diabo. Agressão violenta, principalmente contra personalidade ou entidade pública, instituição, princípio, norma, etc.
Ao escrever esses distintos significados, me causa estranheza e, ao mesmo tempo, familiaridade perceber que um dos sentidos para atentado é “demônio e diabo”. Lembrando do ataque à boate gay nos EUA, recordo-me que muitas pessoas religiosas comemoravam a morte de tantas pessoas e, em nome de Deus, não se deram conta de que, em verdade, estavam fazendo o papel diabólico e demoníaco. Cabe, então, ao falar dessas questões, demarcar que um dos sentidos de diabo é divisão. Ou seja, talvez esse significante nos ajuda a pensar em quem são os verdadeiros diabos na história humana. Como eles se constituem? Em que medida sou o diabo em minhas relações e projeto no outro ou numa entidade metafísica as minhas questões mais íntimas e a minha não aceitação? Quais diabos habitam em mim? Parafraseando alguns pensadores, considero que o que vemos no mundo tem muito mais a ver conosco do que com a dita realidade objetiva, ainda mais em se tratando da dimensão subjetiva que nos perpassa, envolve e atravessa os nossos olhares.
Dito de outra forma, o mal que em mim habita, tal como o bem, sem muito me aprofundar no que seria esse mal e bem, são expressões de nossa humanidade e é mais que necessário que fiquemos atentos aos atentados que nos atentam e dilaceram. A violência travestida desses atentados está por toda a parte, basta analisar com mais acuidade que veremos. Por sinal, qual a parte que lhe e me cabe nisso tudo? Você já parou para se implicar nessa história toda?
Eu, diariamente, faço esse exercício, pois a minha condição enquanto jovem, negro, homossexual e cristão me faz perceber, no cotidiano da existência, as violências sutis e tantas vezes escancararas. Sou também vítima de muitas delas e uma que marcou profundamente a minha história foi a expulsão da casa paterna. Eu era um estranho de mim mesmo e estranho no ninho familiar. Entretanto, ao revelar-me, eu pude realizar-me plenamente como sujeito humano gay, um qualificativo que, para muitos ainda é uma ofensa, mas para mim, há alguns anos tem ganhado novos sentidos que deslizam em mim e me fazem ir além do que foi estabelecido pela história de minha sociedade.
Divãnear é isso. Eu sou isso! Aliás, sou muito mais que tudo isso! Divãnear é, portanto, caros amigos, amigas e amigxs, também implicar-se pela via da escrita e não mais silenciar, pois estamos no fronte e há, atrás de mim, como base de sustentação, o sangue de meus irmãos e irmãs LGBTs do mundo todo!
(In)concluo homenageando meus irmãos e irmãs LGBTs do mundo inteiros! Unamo-nos!
P.S Ao escrever este texto, vejo a notícia do site uol que a comunidade LGBT de Marrocos saiu, pela primeira vez, do armário da opressão que ainda hoje pesava sobre ela, em um país que ainda castiga a homossexualidade. Também eu saio do armário e esta saída se dará por toda a vida! Que o meu sangue cultive a terra dos que virão, pois a vitória é certa quando não nos calamos!
Por fim, somos todos Marroquinos e de Orlando! Aliás, somos do mundo! E devemos estar nele para transformar sempre!!! Rebele-se, portanto! Revele-se!