O dicionário Houaiss define a compaixão como um “sentimento piedoso de simpatia para com a tragédia pessoal de outrem, acompanhado do desejo de minorá-la, participação espiritual na infelicidade alheia que suscita um impulso altruísta de ternura para com o sofredor”.
Em tempos de agressões gratuitas nas redes sociais, de ‘justiceiros’ pelas ruas e da corrupção em todos os níveis da sociedade, uma demonstração de honestidade e compaixão ganhou as manchetes nacionais na primeira semana de julho, quando os empreendedores Cleiton Tavares e Geiza Matos acharam R$ 220 em uma rua de Camaçari, na região metropolitana de Salvador. Eles saíam do restaurante onde trabalham quando encontraram o envelope perdido.
“Quando vi o dinheiro, brinquei com minha esposa: ‘estamos abonados!'”, relatou Tavares à BBC Brasil. “Mas aí encontramos a conta [de luz] e percebemos que o dinheiro tinha dono.” A fatura, no valor de R$ 218,77, estava no nome de Jaqueline Andrade Santos. A mulher dele, Geiza Matos, teve a ideia de pagar a conta.
No próprio dia 4 de julho, um sábado, Cleiton postou a seguinte frase em sua página no Facebook: “Se alguém conhecer esta pessoa, avisa que a conta está paga.” (veja a publicação abaixo).
Iniciava uma verdadeira mobilização em torno do paradeiro de uma idosa. Sem encontrar a dona do dinheiro, que não tem perfis em redes sociais, o casal foi até o endereço indicado na conta de luz para entregar o comprovante de pagamento. “Ela ficou muito surpresa. É uma senhora já, nos agradeceu, ficou comovida. Aí nós fomos embora para casa”.
Até o fechamento desta publicação, a postagem já tinha mais de 21 mil curtidas e 70 mil compartilhamentos. Tímido, Cleiton contou que ficou surpreso com a repercussão. “Achei embaraçoso. Fiquei assustado porque uma situação que deveria ser normal acaba parecendo anormal. As pessoas esperariam que eu ficasse com o dinheiro”, justificou.
O rapaz, que estudou até o fim do ensino médio, administra um restaurante familiar com a mulher e a mãe na pequena cidade industrial, a 41 quilômetros de Salvador.
“Meu momento financeiro é normal, não está às mil maravilhas. Se fosse usar o dinheiro seria para futilidade, para curtir, para ir à praia. Mas eu fui doutrinado de outra forma. Aprendi a amar o próximo como a mim mesmo e a fazer o bem sem olhar a quem.”
Segundo Cleiton, os elogios foram a melhor recompensa ao gesto. “Vale muito mais que R$ 220. Acho que a gente plantou uma sementinha. Espero que ela se espalhe por aí.”
“No mundo em que vivemos, perdemos a noção de que o bem não é para ser aplaudido. O bem é para fluir na Terra. Você faz uma coisa normal e tem toda essa comoção”, ressaltou o empreendedor.
Esse caso me fez lembrar da vez que achei um aparelho celular num banheiro de shopping center, aqui em Salvador. Era um desses de última geração. Fui até a agenda e achei um número alternativo da proprietária – era uma adolescente. Liguei para ela e disse que estava disposto a devolver o telefone, bastava que me encontrasse no prédio em que trabalhava na Cidade Jardim (Candeal).
Um dia depois, o pai da jovem e ela batiam à porta. Devolvi então o aparelho e eles agradeceram. Não satisfeito, o pai da menina sacou algumas cédulas de dinheiro e me disse:
– Olha, isso aqui é para te recompensar.
Fiquei intrigado com o gesto. Respondi que eu não queria o dinheiro, mas apenas fazer a devolução, porque, de fato, o telefone não era meu, eu apenas o encontrei. Logo, era minha obrigação procurar devolver ao dono. Foi assim que fui ensinado. É assim que eu acho que tem de ser. Constrangido, o pai da garota agradeceu mais uma vez e recolocou a grana em seu bolso.
A honestidade não tem preço. É um valor que não pode ser recompensado com bens materiais. É prima-irmã de outros valores importantes e fundamentais em qualquer sociedade, mas que parece, infelizmente, cada vez mais distantes da nossa: a solidariedade, o altruísmo e a compaixão.
Muitos disseram em relação ao caso de Camaçari e outros ainda dirão: a honestidade não deveria ser tão enaltecida, porque trata-se de uma obrigação. É uma meia verdade. Nesses tempos estranhos e sombrios, “qualquer maneira de amor vale a pena”. Nossos meios de comunicação, que insistem com o falso conceito de que “as más notícias são boas notícias”, pois “as informações sobre tragédias vendem mais do que as que falam de boas ações”, também têm grande parcela de responsabilidade pela sensação de desesperança que paira em cada olhar que se cruza nas ruas. Quase não há espaço para gestos inspiradores.
Prefiro ficar com a pureza da resposta das crianças e com a opinião do teólogo Leonardo Boff, de que a compaixão “é a mais humana das virtudes”. Diz o célebre autor de O princípio de compaixão e cuidado (Vozes 2009): “A compaixão talvez seja, entre as virtudes humanas, a mais humana de todas, porque não só nos abre ao outro, como expressão de amor dolorido, mas ao outro mais vitimado e mortificado. Pouco importam a ideologia, a religião, o status social e cultural das pessoas. A compaixão anula estas diferenças e faz estender as mãos às vitimas. […] A com-paixão implica assumir a paixão do outro.”
É a vida! É bonita e é bonita!