De olho no financiamento eleitoral, PMDB defende interesse das Teles no Marco Civil da Internet e se une à oposição para derrotar governo; projeto coletivo pode ficar desfigurado.
Veja a terceira parte da reportagem especial, do jornalista Felipe Seligman, para a Pública, sobre o tema
O poder das teles
PÚBLICA | Dentro do Congresso, porém, essa é uma questão menor. O que pegou mesmo foi o fato de Dilma ter encampado a neutralidade da rede como um princípio a ser defendido por seu governo.
Diante disso, as Teles começaram a agir. Multiplicaram-se as reuniões e conversas reservadas entre deputados e representantes das empresas, a fim de convencê-los a não aprovar o projeto. O encontro do dia 6 de novembro é apenas um exemplo.
O descontentamento foi reverberado dentro do Congresso por uma figura central, exatamente o líder peemedebista Eduardo Cunha, que tem relação histórica no setor. Ele foi presidente da Telerj, então estatal do Rio de Janeiro, que fazia parte do sistema Telebrás, privatizado no final dos anos 90. Processo licitatório, por sinal, que ficou marcado por fortes suspeitas de um esquema para direcionar o resultado a um consórcio liderado pelo Banco Opportunity, de Daniel Dantas.
Na ocasião, a Telerj foi adquirida pela Telemar e posteriormente virou a Oi, empresa que, hoje, tem presença constante no Congresso Nacional. Durante a tramitação do Marco Civil, seus gerentes trabalharam em conjunto com o sindicato representativo das empresas na tentativa de derruba-lo.
Nos bastidores do Congresso, deputados e seus assessores chegaram a comentar, reservadamente, que a atuação da Oi é uma das mais evidentes contra o Marco Civil. Parlamentares passam a falar, por exemplo, que uma votação favorável ao texto do Marco Civil poderia colocar em risco possíveis doações de campanha para as eleições deste ano.
As principais teles não podem doar, por serem concessionárias de um serviço público, mas empresas ligadas a elas são sim grandes doadores. A Oi é o melhor exemplo. Entre seus acionistas está, além de fundos estatais como BNDESPar, Previ e Funcef, a Andrade Gutierrez (representada pela AG Telecom), umas das empreiteiras que mais faz doação de campanha (veja aqui a composição societária da Oi).
Para se ter uma ideia dos valores envolvidos, a construtora doou para campanhas do PMDB de Eduardo Cunha um total de R$ 20,6 milhões e R$ 14,8 milhões em 2010 e 2012, respectivamente, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Diante de tal movimentação, a presidente acionou dois ministros para negociar diretamente com as Teles e tentar chegar a um acordo: José Eduardo Cardozo (Justiça) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais). Pouco antes do carnaval, eles se reuniram com Molon e representantes das empresas no Ministério da Justiça. Saíram de lá com um discurso que parecia caminhar para um acordo. As Teles abririam mão da neutralidade, mas o governo inseriria na justificativa do projeto de lei uma observação dizendo que as empresas poderiam continuar oferecendo planos com velocidades diferentes, sem diferenciar o conteúdo mas garantindo a manutenção do que já existe.
Tudo parecia certo até que a crise política se instalou.
Marco civil em segundo plano
“Infelizmente, o Marco Civil virou acessório. A questão agora é governo contra o PMDB”, resume Pedro Abramovay.
Insatisfeitos com o que consideram um pequeno espaço no governo, ao menos 9 partidos da base (PMDB, PP, PSD, PDT, entre outros) formaram informalmente o “blocão”, com mais de 250 deputados, pressionando por novos Ministérios e pela liberação de emendas indicadas por eles referentes ao ano de 2013.
A principal liderança do blocão é exatamente Eduardo Cunha, que de três semanas para cá passou a atacar o PT e a presidente Dilma, ameaçando inclusive romper a aliança entre os partidos. Disposto a promover derrotas ao governo, começou a reunir colegas para derrubar o Marco Civil. Fatores políticos, portanto, passaram a reforçar sua posição tecnicamente contrária ao projeto.
A articulação colocou em risco o que havia de consenso em torno do assunto. Partidos de oposição que eram favoráveis ao Marco Civil, como o PSDB e DEM, passam a vê-lo de forma política também. Afinal, derrotar a presidente Dilma no que lhe é de mais caro, em ano eleitoral, passou a ser mais interessante.
Com a crise política instaurada, as chances de derrota ainda são altas, mesmo com concessões feitas pelo governo, como a promessa de nomeação de peemedebistas para Ministérios.
Semanalmente, o projeto é pautado para ser votado, mas sem a certeza de que irá passar o governo dá um passo atrás e adia. Na semana passada, após uma reunião de líderes, Molon afirmou que “ambiente político”não está propício para a análise do tema. Naquele mesmo dia, o plenário da Câmara aprovou a criação de uma comissão interna para investigar a Petrobrás, derrotando o Planalto. No dia seguinte, deputados decidiram convocar ou convidar dez ministros, além de Graça Foster, presidente da empresa, para prestarem esclarecimentos sobre mais diversos assuntos, com a intenção de constranger o governo.
Nesta semana, Eduardo Cunha chegou a ir até o Palácio do Planalto na tentativa de iniciar um acordo. O impasse continua.
Diante da possibilidade de uma derrota, a sociedade civil voltou a se mobilizar. O músico e ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil criou uma petição no site Avaaz alertando para os riscos do fim da neutralidade e, em uma semana, conseguiu mais de 330 mil assinaturas.
A insensibilidade do Congresso diante da demanda social por liberdade na internet frustra as expectativas de quem participou do processo de criação do Marco Civil desde o começo. “A mensagem que o Congresso passa é de descompromisso. De que não existe um plano sobre onde queremos chegar. Muito triste ver o Congresso capturado por uma agenda de curtíssimo prazo, casuística, deixando a agenda de longo prazo para escanteio”, avalia Lemos.
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